Mudança na Ordem dos Eventos

O problema a seguir é uma aplicação das transformações de Lorentz, e que ilustra muito bem a relatividade da simultaneidade.

Em um futuro não muito distante, a civilização terrestre teria estabelecido colônias em alguns regiões longínquas da Via Láctea, de maneira que em uma dessas colônias teríamos uma configuração planetária muito parecida com a do nosso sistema solar.

Um planeta ocupado por descendentes terrestres, e sua lua recentemente invadida por um grupamento de extraterrestres que parece estar disposto a um ataque.

Uma espaçonave terrestre foi incumbida de patrulhar o espaço e agir em resposta a qualquer ataque oriundo dos alienígenas.

Em trajetória retilínea, a espaçonave desloca-se a uma velocidade de 0,980·c, relativa tanto ao planeta quanto à sua lua ocupada.

Subitamente, a espaçonave detecta a emissão muito intensa de micro-ondas seguida de uma explosão na superfície do planeta.

Parece muito claro que os alienígenas atacaram a base dos terráqueos, o que pressupõe uma ação por parte dos ocupantes da espaçonave.

Antes que qualquer atitude temerosa seja tomada, o comandante da espaçonave recolhe informações sobre o ocorrido para que sua decisão seja a mais acertada.

O planeta está a uma distância de 4,00 x 10m de sua lua, e somente 1,10 s após a emissão das micro-ondas, é que a explosão foi detectada na superfície do planeta.

Sabemos que eventos ocorridos em diferentes referenciais, não necessariamente serão simultâneos.

Por conta disso, iremos investigar a relação dos eventos ocorridos nos dois referenciais.

Os eventos ocorridos são a emissão e a explosão.

Tais eventos possuem uma aparente ordem de causalidade no referencial da espaçonave.

Antes, escolheremos um referencial apropriado. Pensemos na espaçonave em repouso, num referencial S, do qual se pode observar o sistema planeta-lua movimentando-se num referencial S’. Se inicialmente a espaçonave se desloca para a esquerda, então sendo ela o referencial, tudo se passa como se o sistema planeta-lua se deslocasse para a direita.

Medidas feitas no referencial S, portanto, serão representadas como se segue

\inline \dpi{300} \fn_cm \LARGE \Delta x =x_{ex}-x_{em} = 4,00 \cdot 10^{8} \ m
\inline \dpi{300} \fn_cm \LARGE \Delta t = t_{ex}-t_{em} = 1,10\ s

Os valores calculados para ΔxΔt são positivos no referencial S. Sabemos disso porque xex > xem  e tex > tem

Mas quais serão seus valores quando forem calculados em outro referencial?

Pela transformação de Lorentz para o espaço, temos

\inline \dpi{300} \fn_cm \LARGE \Delta x' = \gamma \left ( \Delta x-v\Delta t \right )

E para o tempo

\inline \dpi{300} \fn_cm \LARGE \Delta t' = \gamma \left ( \Delta t-\frac{v\Delta x}{c^{2}} \right )

Usando v = 0,980·c, temos para o fator de Lorentz

\dpi{300} \fn_cm \large {\gamma = \frac{1}{\sqrt{1 - \frac{v^{2}}{c^{2}}}} } = \frac{1}{\sqrt{1-(\frac{0,980c}{c})^{2}}} = 5,0252

Substituindo

\inline \dpi{300} \fn_cm \large \Delta x' = \5,0252 \left ( \4,00\cdot 10^{8}\ m-(0,980\cdot c)\(\ 1,10\ s \right )) = 3,86\cdot 10^{8}\ m

E para o tempo

\inline \dpi{300} \fn_cm \large \Delta t' = \5,0252 \left ( \1,10\ s-\frac{0,980\cdot c\ (4,00\cdot 10^{8}\ m)}{c^{2}} \right ) = -1,04\ s

Obtivemos um valor negativo para o intervalo de tempo e um valor menor para a distância planeta-lua nesse referencial.

Mas o que isso quer dizer?

Analisaremos primeiro, o intervalo de tempo.

Mantendo a coerência com a notação que utilizamos para o referencial S, faremos o mesmo para o referencial S’

Se

\inline \dpi{300} \fn_cm \LARGE \Delta t = t_{ex}-t_{em} = 1,10\ s

Então

\inline \dpi{300} \fn_cm \LARGE \Delta t' = t'_{ex}-t'_{em} = -1,04\ s

Esse resultado mostra que os eventos ocorreram em ordem diferente nos referenciais S e S’.

No referencial S, supostamente a emissão causou a explosão, pois estão relacionadas nessa ordem. Para o observador da espaçonave a suposta causa da explosão é a emissão das micro-ondas.

No referencial S, de modo inverso, a suposta causa da emissão é a explosão, pois como vimos, essa é a ordem nesse referencial.

Pensemos da seguinte forma: estando os dois eventos relacionados de alguma maneira, a informação que estabelece o vínculo de causa e efeito deve ser capaz de viajar entre os eventos com uma velocidade possível. Existe portanto o trânsito da informação que toma um tempo finito para estabelecer entre dois eventos uma relação do tipo causa-efeito.

Esse cálculo pode ser feito inicialmente com os dados iniciais do problema.

\dpi{300} \fn_cm \large v_{info}=\frac{\Delta x}{\Delta t} = \frac{4,00\cdot 10^{8}\ m}{1,10\ s} = 3,64\cdot 10^{8}m/ s

Que é um valor impossível, já que é superior ao valor da velocidade da luz!

Calculando para o referencial planeta-lua, onde supostamente a explosão ocorreu antes da emissão, e portanto

\inline \dpi{300} \fn_cm \LARGE \Delta t' = t'_{em}-t'_{ex} = 1,04\ s

Temos

\dpi{300} \fn_cm \large v_{info}=\frac{\Delta x}{\Delta t} = \frac{3,86\cdot 10^{8}\ m}{1,04\ s} = 3,71\cdot 10^{8}m/ s

Também impossível de ocorrer.

Assim, um evento não pode ter causado o outro.

As equações das transformações de Lorentz mostram que os eventos ocorrem numa ordem inversa nos dois referenciais. Algo que corrobora o fato de os eventos não estarem relacionados. O movimento relativo de um observador geralmente faz com que eventos simultâneos em outros referenciais, não seja também simultâneo em seu referencial, porém não ocorrerá jamais de o movimento de um observador alterar a ordem dos eventos. As relações causais estão sempre ligadas pela informação que viaja entre os eventos com a velocidade da luz, assim sendo, um observador que sempre se move abaixo de tal velocidade poderia inverter a ordem de eventos causais.

Assim sendo, a espaçonave de patrulha não deve tomar nenhum tipo de atitude contra os extraterrestres, já que a explosão ocorrida no planeta não possui uma relação causal com a emissão de micro-ondas a partir da Lua.