O Momento Angular e a Sua Conservação

O Momento Angular

Em Cinemática e Dinâmica de Rotações definimos o torque \tau e o momento de inércia I. Nós derivamos a relação entre essas grandezas, conhecida como a segunda lei de Newton para rotações; o torque resultante é igual ao momento de inércia I vezes a aceleração angular:

    \[ \tau_\textrm{res} = I \alpha \]

Até aqui fizemos várias correspondências entre as variáveis de translação e de rotação. Em particular, a massa m com I e a velocidade linear v com a velocidade angular \omega. Como o momento linear é

    \[ \vec{p} = m \vec{v} \]

vamos definir um análogo chamado momento angular,

    \[ \vec{L} = I \vec{\omega}  \quad  (1) \]

Para facilitar a discussão, vamos tomar o eixo de rotação como sendo fixo. Neste caso, não é necessário tratar o momento angular vetorialmente.

Para uma partícula de massa m descrevendo um movimento circular de raio r, com velocidade v, temos que

    \[ L = m r^2 \omega \]

Como v= r \omega, temos que

    \[ L = m r v \quad \Rightarrow \quad L = r p \quad \textrm{(movimento circular)} \]

Lembrando que estamos analisando o movimento circular, portanto como \vec{r} é perpendicular a \vec{v} (por que mesmo?), temos que \vec{r} também é perpendicular a \vec{p}.

É possível falar de momento angular quando a partícula não está realizando necessariamente um movimento circular?  Se sim, como definir L  quando a partícula está andando  em linha reta, descrevendo uma trajetória elíptica (como a que a Terra faz em torno do Sol), ou quaisquer outras trajetórias?

A  resposta para a primeira pergunta é sim. Podemos definir o momento angular para uma partícula de massa m e velocidade \vec{v}, descrevendo uma trajetória qualquer. Esse momento depende de um ponto de referência, pois a sua definição envolve o vetor posição da partícula.

De uma forma geral, o vetor momento angular é definido em termos dos vetores posição \vec{r} e do vetor momento linear \vec{p}= m\vec{v}. A sua direção é perpendicular simultaneamente a \vec{r} e a \vec{p}, conforme mostra a figura abaixo. Se esses vetores estiverem no plano xy, \vec{L} estará na direção z.

O seu sentido é estabelecido pela regra da mão direita: primeiro colocam-se as “traseiras” dos vetores \vec{r} e \vec{p} encostadas. A seguir, com os quatro dedos da mão direita, tenta girar o vetor \vec{r} no sentido do vetor \vec{p}. O polegar dará o sentido de \vec{L}.

Já  o seu módulo é dado por

    \[ L = r p \,\textrm{sen}\,\phi \]

onde \phi é o ângulo entre os vetores \vec{r} e \vec{p}. Esta definição do momento angular vale para qualquer tipo de movimento.

Como L depende do vetor posição \vec{r}, que por sua vez depende da escolha da origem do sistema de coordenada, ele também depende da escolha da origem. Por causa disso, é preciso especificar em relação a que ponto o momento angular está sendo definido. Já com o momento linear não acontece isso, pois depende da velocidade, que não depende de onde a origem do sistema de coordenadas foi fixada.

O resultado para o movimento circular é um caso particular da expressão acima, quando \theta é 90^\circ e portanto \textrm{sen}\,\phi =1.

Na simulação a seguir é possível verificar a relação entre essas três grandezas.

2ª Lei de Newton no Movimento de Rotação

No caso de movimento de translação, conforme já discutido na seção Momento Linear,  a segunda lei de Newton pode ser dada por

    \[ \vec{F}_\textrm{res} = \frac{d\vec{p}}{dt} \]

Se acreditarmos que fizemos uma correspondência correta, esperamos que

    \[ \vec{\tau}_\textrm{res} = \frac{d\vec{L}}{dt} \]

que seria a outra forma de escrever a segunda lei de Newton para movimentos de rotação. De fato, para uma partícula descrevendo um movimento circular, I é constante e portanto a equação é facilmente demonstrada. Derivando a  Eq. (1) em relação ao tempo, temos que

    \[ \frac{d\vec{L}}{dt} = I \frac{d\vec{\omega}}{dt} = I \vec{\alpha} = \vec{\tau} \]

O resultado acima é válido também para um sistema de partículas ou para um corpo extenso, não necessariamente executando um movimento circular. Não faremos a  demonstração formal aqui, pois está além do escopo deste site. Vamos apenas afirmar que

    \[ \tau^\textrm{ext} = \frac{d\vec{L}}{dt} \quad (2) \]

onde \tau^\textrm{ext} é o torque total externo, ou seja, o torque gerado por forças externas ao sistema. Neste caso, estamos assumindo que forças internas se anulam, pois formam pares de força do tipo ação e reação.

A mesma suposição é feita para a conservação do momento linear.

Se o torque externo resultante sobre um sistema é nulo, \tau^\textrm{ext}=0, temos que

    \[ \frac{d\vec{L}}{dt} = 0 \quad \Rightarrow \quad  \vec{L}_i = \vec{L}_f \]

Temos assim um resultado importantíssimo:

O momento angular total do sistema é conservado se o torque total externo que age sobre ele é nulo.

 

É importante destacar que a  Eq. (2) é uma equação vetorial. O que ela diz é que se o torque externo resultante numa determinada direção é zero, a variação do momento angular naquela direção  com o tempo é zero. Ou seja, o momento angular é conservado, ou permanece constante, somente naquela direção.

Na seção seguinte, vamos mostrar que a lei de conservação acima explica diversos fenômenos, como os três exemplos mostrados na introdução desta página. Movimento de Rotação.

Conservação do Momento Angular

Vamos discutir aqui alguns fenômenos cuja explicação está na conservação do momento angular. Primeiramente, vamos considerar os exemplos apresentados na seção Movimento de Rotação.

Exemplo 1. Rotação da bailarina

Agora nós conseguimos entender porque a velocidade de rotação da bailarina  aumenta quando ela recolher os braços e a perna direita.

Em primeiro lugar, observamos que o eixo de rotação da bailarina está na direção vertical. Se desprezarmos a força de atrito entre a ponta do pé da bailarina e o chão e a força de atrito com o ar, a única força externa aparentemente importante que atua sobre a bailarina é a força gravitacional e a normal. Mas essas forças são capazes de gerar torque na direção vertical.

Vale observar que uma força aplicada numa determinada direção não gera torque naquela direção. Uma porta não se abre se a maçaneta é empurrada para baixo ou para cima!

Como \vec{\tau}_\textrm{ext}=0, o momento angular total do sistema se conserva. Com o eixo de rotação fixo, temos portanto que

    \[ L_i = L_f \quad \Rightarrow \quad I_i  \omega_i  = I_f \omega_f \]

Aqui não precisamos calcular exatamente o momento de inércia na situação em que os braços  e a perna direita estão esticados, que é I_i,  e nem quando estão recolhidos, dado por I_f.

Se lembrarmos que para um sistema de partículas

    \[ I = \sum_{k=1}^N m_k r_k^2 \]

quando a bailarina recua os membros, haverá mais massa localizada perto do eixo de rotação  e consequentemente  o momento de inércia diminui (os r_k‘s diminuem). Logo, I_f < I_i.  Para que o momento angular permaneça igual (se conserva), temos que a velocidade de rotação deverá aumentar.

Se sair rodopiando nas pontas dos pés exige uma certa habilidade, há uma outra forma de verificar a conservação do momento angular, cuja explicação é similar ao rodopio da bailarina, que pode ser feita em casa. Basta sentar-se a uma cadeira girante (típica de escritório) e segurar um halter em cada mão. Com os braços estendidos, solicite a alguém para girar a cadeira. Conforme mostra a animação abaixo, a velocidade de rotação aumenta quando os braços são retraídos.

Similarmente à explicação do movimento da bailarina, o torque resultante na direção vertical (eixo do movimento) é zero, logo o momento angular se conserva.

Assim que a pessoa fecha os braços, haverá mais distribuição de massa próxima ao eixo de rotação do que com os braços abertos. Logo, o momento de inércia do sistema diminui. Para que o momento angular permaneça constante, a velocidade angular do sistema deve aumentar.

Exemplo 2. Cadeira girante e a roda da bicicleta 

No vídeo abaixo, um homem segura uma roda de bicicleta, que pode girar livremente em torno do seu eixo, está sentado numa cadeira, que também pode girar.

O vídeo mostra que dependendo da posição em que a roda é colocada o banco permanece em repouso ou entra em movimento. Mas por que será que isso acontece?

Inicialmente a roda gira no sentido antihorário em relação ao homem que colocou a roda para girar. Como o eixo é horizontal, o vetor momento angular tem a direção horizontal (mesma direção do eixo de rotação). Pela regra da mão direita – os quatro dedos da mão direita girando com a roda, o polegar aponta para o homem, ou seja, à direita para nós os observadores do vídeo. Esse é o momento angular resultante nessa situação.

Nessa situação, nada ocorre a quem está segurando a roda e sentado na cadeira giratória (cujo eixo de rotação está na direção vertical), visto que o momento angular total na direção vertical é nulo. Pelos mesmos argumentos da rotação da bailarina, o torque resultante na direção vertical é zero, portanto o momento angular total deve se conservar nessa direção.

É exatamente para conservar o momento angular nessa direção é que a cadeira começa a girar quando o eixo de rotação da bicicleta é colocada na direção vertical. Repare que primeiramente o momento angular aponta para baixo. L_{tot, z} =0 é é constante, temos que

    \[ L_{\textrm{tot}, z}^\textrm{inicial} = 0 = L_{\textrm{tot}, z}^\textrm{final} = L + L' \]

onde L e L' são os momentos angulares na direção z da roda e do conjunto cadeira + homem.

Como L'= -L, temos que o momento angular do sistema cadeira + homem aponta para cima, Pela regra da mão direita, a sua rotação será no sentido antihorário (para quem o vê de cima).

Quando o eixo é colocado na horizontal, a cadeira para de rodar, pois não haverá mais momento angular da roda na direção vertical e L_{\textrm{tot}, z} deve continuar a ser zero.

Quando ele inverte a roda, o momento angular desta aponta para cima. Logo, para que L_{\textrm{tot}, z}=0, o sistema cadeira + home começa a girar no sentido horário.

É nítido reparar que a velocidade de rotação da roda é muito maior do que a rotação do sistema cadeira + homem. Por que isso ocorre, se em módulo o momento angular L e L' deveriam ser iguais?

É divertido verificar a conservação do momento angular, mas além de servir como entretenimento e entendimento dos princípios físicos,  há aplicações importantes. Um exemplo é a manobra de um veículo espacial no espaço sideral.

Para efetuar a manobra na situação em que não há ar e a força resultante é nula (portanto o torque também é),  um veículo espacial deve possuir um volante firmemente preso à sua estrutura.

Para mudar a direção do veículo espacial, o volante é acionado e o veículo começa a girar em sentido oposto ao do volante para manter nulo o momento angular do sistema, exatamente como ocorre com o sistema cadeira + homem. Quando o volante retorna ao repouso, o veículo também deixará de girar, mas sua orientação terá mudado.

Uma aplicação da conservação de momento angular que podemos identificar com o exemplo acima é a forma como o telescópio Hublle se orienta no espaço.  Sua orientação é determinada por movimentos de rotação conservação do momento angular de giroscópios.

A reportagem a seguir apresenta a atual situação do telescópio Hublle e problemas que vem enfrentando para se manter em órbita.

https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/blog/cassio-barbosa/post/2018/10/12/o-telescopio-hubble-passa-por-problemas.ghtml

Exemplo 3. Segunda lei de Kepler – a lei das áreas

Há um resultado bastante importante para corpos se movendo sob ação de forças centrais. Essas forças se caracterizam por depender somente da distância entre os corpos e a direção estar na linha que une esses corpos. Como exemplo, podemos citar a força eletrostática de Coulomb e a força gravitacional universal de Newton.

No caso da partícula estar executando um movimento circular, é fácil verificar que o momento angular é constante. Para que isto ocorra, como

    \[ L = I \omega, \]

basta que a velocidade angular permaneça constante, na situação que o momento de inércia I é, evidentemente, constante.

Não é requisito que o movimento seja circular para ocorrer a conservação de momento. De fato, sob efeito da força gravitacional de Newton, a Terra ou qualquer outro planeta do sistema solar  gira em torno do Sol, descrevendo uma trajetória elíptica.

Na verdade, tanto o Sol como os planetas giram, mas em torno do centro de massa do sistema. Como a massa do Sol é muito maior do que a de um planeta do sistema solar (m_S \gg m),  o centro de massa do sistema está praticamente no centro do Sol. Daí a descrição simplista que diz que  o planeta gira em torno do Sol e este se encontra em repouso num referencial inercial. A aproximação pode não ser tão boa para Júpiter (Por quê?).

Pode-se derivar um importante resultado para esse movimento, que não o faremos aqui, que afirma que

    \[ L = m  r^2 \omega = \textrm{constante}, \]

onder é a distância entre a Terra e o planeta.

Por outro lado, considere um deslocamento de um planeta num intervalo de tempo pequeno \Delta t = t_2-t_1.

Nesse intervalo de tempo o planeta percorre uma distância r\Delta \theta. A área varrida pelo vetor \vec{r}  (em amarelo) é aproximadamente um triângulo isósceles de lados rr\Delta \theta. Logo,

    \[ \Delta A \approx \frac{1}{2} r^2 \Delta \theta \]

Se dividirmos a expressão por \Delta t ambos os lados, obtemos

    \[ \frac{\Delta A}{\Delta t} = \frac{1}{2}r^2 \frac{\Delta \theta}{\Delta t} \]

Essa expressão é mais correta se usarmos a linguagem do cálculo diferencial, visto que  tomamos \Delta t \to 0. Neste limite, a expressão acima se torna

    \[ \frac{dA}{dt} = \frac{1}{2} r^2 \omega \]

De acordo com a conservação do momento angular, r^2 \omega = L/m = constante. Portanto,

    \[ \frac{dA}{dt} = \frac{1}{2} \frac{L}{m} = \textrm{constante} \]

Mas dA/dt é a taxa temporal de variação da área. Como ela é constante, temos que uma linha unindo um planeta ao Sol varre áreas iguais em intervalos de tempo iguais. Mas esta é precisamente a segunda lei de Kepler, a lei das áreas.

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